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"Crônica": Dia de jogo


Mais um dia de jogo, minha cabeça ainda dói, parece que o mundo está girando de forma engraçada, indefinida e incoerente. Realmente eu deveria ter maneirado nas comemorações de ontem, alias, não sei, não é todo dia que jogamos como jogamos ontem, não é sempre que temos tantos motivos para comemorar.

Ganhar uma semifinal de virada contra um time de alto nível não é sempre que acontece, não é mesmo? Independente da ressaca é preciso começar os preparativos para o grande jogo, tenho que conferir o material da mala (hoje eu não posso esquecer nada), as luvinhas de rebatidas estão aqui, esparadrapo, spike (aquela chuteira com crava de alumínio), glove (luva de defesa), munhequeira, cotoveleira. Ótimo, acho que está tudo aqui. Mas, espera um pouco, afinal onde eu coloquei a porcaria da parte de cima do meu uniforme? (ou o Jersey se preferir). Procuro na mala, procuro na sala, no quarto, no banheiro e nada. Às vezes eu penso que essas coisas tem vida própria e fogem de você quando você mais precisa delas.

E para não perder o costume já estou atrasado e nem comecei a sair de casa. Pego o celular na esperança de ter noticias de onde possa estar a minha camisa e vejo que tem uma mensagem educada de um companheiro de time: “Seu idiota você esqueceu seu uniforme no meu carro, é bom você estar pronto em 5 minutos estou passando aí pra te buscar” Linda mensagem, é muito bom se sentir querido. Mas vamos devagar com a dor, ele falou 5 minutos não é mesmo? Já se passaram 20 minutos que recebi a mensagem e ele nem ao menos chegou, que filha.. (censurado).

Check list da mala conferido, agora preciso esperar que esse atrasado apareça logo (as coisas mudam de forma muito rápida não é mesmo?). Abro a porta devagar pra não fazer barulho e escuto alguém falando alto: “você não se esqueceu de passar o protetor né?” Ok, acabei de acordar minha namorada, ela não deve estar muito feliz com isso, afinal é domingo e é o único dia da semana que ela pode dormir sem hora para acordar. Fingindo que nada aconteceu e que eu realmente havia passado o protetor, respondo rapidamente que sim e tento sair ligeiro para evitar mais uma dor de cabeça. Mas já é tarde ela aparece e me abraça forte: “boa sorte no jogo e trata de tomar cuidado pra não se machucar”. Eu me machucar? Quem ela pensa que sou? Um iniciante? Mas quando nossos olhos se cruzam eu finalmente entendo o recado e a preocupação dela, afinal foram algumas (muitas) lesões em todos esses anos. Nós nos abraçamos mais uma vez e como de costume respondo da forma mais positiva que posso: “ Relaxa, quem você pensa que eu sou?” Sei que soa repetitivo, mas o que você iria falar? Ela sorri, me da um beijo e responde “Por que você acha que estou falando isso?”, vira as costas e vai para o quarto. Eu me inflamo, penso em mil respostas altamente elaboradas para aquele comentário e escuto uma buzinada longa e algumas de forma repetitiva e alguém gritando na rua: “Vamos logo seu animal, já estamos atrasados” Quem tem amigo tem tudo não é mesmo?

Entro no carro e a primeira coisa que ele faz é jogar o uniforme na minha cara, olho feio pra ele e começamos a rir. O caminho para o campo é repleto das mais diversas conversas, tudo mesmo, menos sobre jogo, por favor, tudo menos jogo. E assim sem perceber chegamos ao solo sagrado, o campo de beisebol. Tem muitas pessoas conhecidas, muitos amigos que felizmente conquistei durante todos esses anos praticando esse esporte. Não importa o time, não importa o tempo que você conhece essas pessoas a amizade que você conquista nesse esporte é diferenciada. Você fica anos sem ver a pessoa, ou só encontra com ela 2 vezes por ano e a amizade não se abala, não altera em nada. Parece que você conversa com aquela pessoa todos os dias. Conversa colocada em dia todos sabemos o próximo passo, temos que nos preparar para o embate, porem a minha cabeça ainda dói. Como vou jogar com a cabeça doendo desse jeito? Abusou no dia anterior tem que dar conta de jogar no outro dia, essa é a regra, não tem como fugir.

Todo mundo começa a se arrumar, colocar as spikes, separar as luvas (tanto a de batting quando a de defesa) e ai o milagre acontece. É só pisar no campo que a dor de cabeça desaparece, o mal-estar vai embora e as dores no corpo somem dando lugar a outros sentimentos, outras preocupações e aquele friozinho na barriga. Se alguém falar para você que não sente medo antes de um momento decisivo, não confie nessa pessoa. Não estou falando de ser medroso, de não ter confiança ou qualquer coisa nesse sentido. Estou falando daquela sensação que te instiga a seguir em frente, aquele medo de você ter se sacrificado tanto e não conseguir triunfar, aquele medo que faz você sempre querer mais, de se esforçar mais, de... Você já entendeu o que eu quis dizer não é mesmo? Jogar com esses caras é igual quando você estava no colégio e a professora mandava você formar uma dupla, você logo olhava pro seu melhor amigo e pelo olhar ambos já sabiam o que fazer, a forma de fazer e o tempo que iria levar. Aqui nesse campo com esses caras jogando ao meu lado é a mesma coisa, quantas vezes só de olhar para um deles já dá pra saber se ele está bem ou se está nervoso, só de olhar da pra saber o que ele quer fazer e quem vai fazer o que se a rebatida for na direção. Na parte defensiva é tranquilo, você precisa esforçar, se concentrar, ter frieza na hora de arremessar a bolinha, acreditar que os outros não vão te deixar na mão e principalmente acreditar em você e em todo o seu treinamento.Na defesa na maioria das vezes você só exerce o seu melhor quando você confia nas pessoas que estão com você dentro do diamante, quando você acredita que seu amigo está tão preparado quanto você, quando você tem a certeza de que seus companheiros vão fazer de tudo para te ajudar e te dar suporte.

Em nossas vidas precisamos de coisas simples, claro cada um com seu objetivo pessoal, mas o que realmente move a vida é simples. É amar alguém e ter seu sentimento retribuído e saber que temos ao nosso lado pessoas de bom caráter e confiança. Afinal quem nós escolhemos para estar ao nosso lado define também o nosso caráter.

Por isso não me arrependo de todas as vezes que briguei por eles, por todas as vezes que me machuquei por eles e por todas as vezes que me desentendi com algum deles. Afinal o que é uma dor, uma lesão e uma cara feia em troca de você saber quem realmente está ao seu lado no momento de necessidade? Em muitos esportes vemos pessoas não tão boas conseguindo se sobressair, mas dentro deste diamante não existe isso. Ou a pessoa é algo ou não é nada. Você até pode enrolar um ou outro jogo, mas uma hora a verdade aparece. Esse jogo não aceita erros, não aceita falta de caráter, não aceita pessoas maldosas. E isso fica claro quando você vai para o bastão, não existe lugar mais solitário no mundo. É você contra um cara que vai arremessar o mais difícil que pode pra se sobressair a você. É a hora da verdade, hora de ver quem tem lenha pra queimar e que realmente está disposto a fazer de tudo para ajudar. Não estou falando que sempre que entramos lá conseguimos uma super batida, nada disso. Nós falhamos muitas vezes, mas falhamos tentando o melhor pro nosso time, para os nossos amigos e é isso que importa. As pessoas normais seguem cegamente um mundo de regras, são regidas pelos seus medos pessoais, pela sua própria ignorância ou pela sua falta de sensibilidade de enxergar o que está a frente de seus olhos. Por isso temos um mantra nesse time, tome a sua decisão e não olhe para trás, não se arrependa pois todos estarão lá para te apoiar, para torcer por você e principalmente para comemorar os seus feitos. Mas agora eu preciso ir, o juiz quer começar a decisão e eu ainda estou aqui. Espero encontrá-lo de ressaca da próxima vez, afinal isso quer dizer que vencemos mais essa etapa.

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